sábado, 31 de março de 2012

The cat in the writer

Na Casa das Rosas, em São Paulo, o visitante encontra alguns objetos pessoais do escritório do poeta Haroldo de Campos. Num dos retratos que adoram a pequena exposição, dois chama a atenção para um detalhe. Em um deles, o poeta concreto, de sábias barbas longas, está com um gato. Em outro, o animal reaparece – desta vez, não sobre a mesa ou seu dono, mas em um porta-retrato, como se tratasse de um familiar, naquelas imagens-amuleto que gostamos de ter sempre por perto, a lembrar dos portos seguros para além das tempestades do dia.

Haroldo de Campos entrou numa longa lista de escritores, da qual já perdi de vista o começo, que tem por companheiro, das horas de trabalha, um gato. Há até um Tumblr que compila os escritores amantes de felinos (http://writersandkitties.tumblr.com). E cheguei a ele por meio de outro que vaticinava, espirituosamente, “quer ser um escritor? Tenha um gato!”. Alguns amantes de gatos são notórios, como o brasileiro Guimarães Rosa, o inglês Neil Gaiman e os argentinos Jorge Luis Borges e Julio Cortázar.

Surpreende ver alguns deles com delicados bichinhos. Caso de Ernest Hemingway, escritor machão, mulherengo e praticante de boxe. Ele aparece em mais de uma imagem, trocando carícias com gatos (uma delas foi parar na capa da edição brasileira de “Paris não tem fim”, de Enrique Vila-Matas). Outros, inesperados, são Charles Bukowski e William Burroughs, doidões notórios. Se bem que, à vida dos notívagos, os gatos são mais apropriados que os cães.

Que o gato seja um companheiro tão valorizado por escritores não é algo que se entenda facilmente. Afinal, se são silenciosos e mais discretos que os cães, os felinos tem manias que, para um escritor, podem ser bem desagradáveis. Como a de sentar-se sobre os papeis. E, não sobre qualquer pilha, mas sobre aquela que você tem em mãos, ou naquela que está manuseando. Por um tempo, os computadores – e seus documentos digitais, forma a prova de gatos. OS notebooks, no entanto, devolveram o poder da intervenção crítica prévia aos gatos: é fácil atravessar o teclado e, em alguns casos, sentar-se nele, encarando o escritor, com um texto inscrito no olhar que, me arrisco a dizer, é impossível de decifrar.

Mas parece próprio dos gatos o entendimento sem palavras. (Seria esse o ponto que os faz tão atraentes aos escritores – serem algo para além das palavras?). Como num poema de Ferreira Gullar, do livro “Em alguma parte alguma”, na qual uma manhã clara, os trabalho manual com recortes coloridos e o companheiro próximo, coçando-se sobre uma cadeira, faz o poeta afirmar: “estou eterno”.

E foi sobre um gato que Gullar escreveu um dos poemas mais bonitos do livro – “Doída alegria”.

O poeta e a musa que ronrona
Durante anos
foi a minha constante companhia
aonde eu estava
------- ele vinha
------- ronronando
em meu colo se acolhia

Até que um dia...

Faz anos já que a casa está vazia

Mais eis que
inesperado
-------------- ele de novo chega
e se deita a meu lado

Não me atrevo
a olhá-lo
---------- pois é melhor não vê-lo
que não vê-lo

Nada pergunto
----- apenas vivo
----- a doída ilusão
De tê-lo junto.

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